31 de mai. de 2009

Mas, afinal, de quem devemos sentir pena?


Há pouquíssimo tempo, alguns assuntos dominaram os meios de comunicação. No Brasil, quem não viu o susto da menina Maisa ao se deparar com uma criança maquiada de monstro no programa de Sílvio Santos, deve ter passado as últimas semanas em coma. No mundo, dois foram os principais personagens das capas de revistas e das conversas dos programas de televisão: Susan Boyle e Adam Lambert.

Desde o domingo passado, sinto-me muito tentada a comentar algo que me perturbou bastante: a estranha derrota de Adam Lambert no American Idol. Ontem, tive a notícia de que, apesar de ter se tornado a "queridinha" da mídia, Susan Boyle perdeu na final do Britan´s Got Talent. Na sexta retrasada, aniversário de sete anos da menina Maísa, o Ministério Público do Trabalho, finalmente, se manifestou e a impediu de continuar participando do programa dominical de Sílvio Santos.

Qual a relação entre os três assuntos? Passo a demonstrar.

Para quem não sabe, o programa de televisão American Idol é um grande fenômeno de audiência nos Estados Unidos. Termometro do que pensa o público americano, o American Idol já contou com a participação de diversas celebridades, incluindo presidentes e grandes nomes da indústria do cinema e da música. O programa tem como principal objetivo escolher o melhor cantor da competição e, apesar de contar com quatro jurados, é o público quem decide o participante que fica ou sai.

Adam Lambert foi o grande candidato ao título de Idol de 2009. Melhor participante do American Idol de todos os tempos, ele conseguiu feitos únicos e se mostrou um cantor extraordinário e original. Sua vitória parecia certa, os jurados demonstravam de forma inequívoca sua predileção, mas, inesperadamente, ele foi derrotado na final por Kris Allen, cantor bonitinho, mediano, comum e cristão declarado. Na hora do anúncio de sua vitória, o último demonstrou sua incredulidade. Os jurados tentaram esconder suas perplexidades. Eu fiquei arrasada. A pergunta foi inevitável: por que mesmo Adam Lambert não foi coroado o grande vencedor do American Idol?

Susan Boyle, atualmente, é a "feia" mais conhecida do planeta. O mundo todo se "espantou" com sua linda voz , seu vídeo foi visto milhões de vezes no Youtube. A torcida mundial para a sua consagração no Britan´s Got Talent se tornou quase obrigatória. Ninguém sequer conhecia os outros candidatos da atração, mas a história da moça "feia" e "talentosa" deveria bastar para assegurar à Susan Boyle o primeiro lugar de tal programa. No entanto, ontem, saiu o resultado. Susan se tornou vice campeã. Parte do mundo se mostrou penalizada e se revoltou com tal situação. Teria sido a já repaginada e maquiada Susan injustiçada?

Li um artigo da Malu Fontes onde ela afirma que o SBT faz de tudo para que Maisa se comporte e se vista como Shirley Temple. Vi o susto que a menina tomou ao ver o menino maquiado de monstro, assisti ao vídeo em que esta bate a cabeça na câmera e é ridicularizada por Sílvio Santos, fiquei horrorizada com o episódio da mala. Apenas pior que isso foram os comentários dos internautas sobre o episódio. Alguns diziam que ela era paga para isso e que o "seu" Silvio tinha direito de fazer o que queria com a menina. Outros comentaram que o MPT não tinha o que fazer, pois, ao invés de pensar nas crianças pobres, se preocupava com uma menininha rica e mimada.

Na "lógica da pena" Susan Boyle deveria ganhar o Britan´s Got Talent por ser "feia" e talentosa, não apenas por ser a mais talentosa. Adam Lambert deveria perder o American Idol por ser o mais talentoso, seu lugar no mundo da música já está de algum modo assegurado, o pobre Kris também é bom, mas, fatalmente, não receberia as mesmas oportunidades se não fosse o vencedor. Na "lógica da pena" a menina Maisa não tem vez, deve ser sacrificada em praça pública, pois quem é rico ou bonito merece isso.

Nos fóruns de discussões, comentam que Adam Lambert não ganhou o American Idol porque é homossexual e sempre se apresentava maquiado. Nos fóruns de discussões, comentam que Susan Boyle não ganhou porque se tornou "menos" feia, maquiou-se e arrumou-se demais para a final e perdeu parte de seu eleitorado. A menina Maisa morreu de medo de um menino maquiado de monstro e acabou revelando que existem muitos, muitos outros monstros.

Diante de tudo isso, uma segunda pergunta se mostra inevitável: mas, afinal de contas, quem é mesmo que está maquiado?

11 comentários:

Bernardo Guimarães disse...

boa, prima, lavou a minha alma. vou lhe contratar pra dizer as coisas que quero e não sei.
bj.

Anônimo disse...

Grata, gratíssima.

Anônimo disse...

feiura ou beleza não determinam talento.

Lidi disse...

"A menina Maisa morreu de medo de um menino maquiado de monstro e acabou revelando que existem muitos, muitos outros monstros."

"mas, afinal de contas, quem é mesmo que está maquiado?"

Você disse tudo, Renata. Parabéns.
Adorei o post. Um beijo.

aeronauta disse...

Bernardo tem razão. Eu nunca saberia dizer com tamanha propriedade o que foi dito aqui, e gostaria de saber dizer pois são coisas que me deixam atônita. E foi dito, muito bem, por você.

Edu O. disse...

Tudo isso passa pela inversão de valores que estamos vivendo. Sinto na pele esses julgamentos. Obrigado. bjs

Emmanuel Mirdad disse...

Você. Eu. Todos daqui. O problema é o tom.

Carina Gabriele. disse...

O preconceito é o pior problema de uma sociedade. E há preconceitos tão pequenos, relacionados a coisas tão bobas...que muitas vezes destroem vidas, sonhos. Isso é o mais triste.
Mas, em relação a menina Maísa, acho que houve um pouco de exagero, pq, ao meu ver, ela é nitidamente mimada. E por Sílvio contrariar a vontade dela, ela fez todo aquele escândalo. Só que é apenas uma criança. Nem devia estar onde estava.

Bjs, ótimo texto.

- Luli Facciolla - disse...

Acho que quem anda maquiada sou eu: de palhaça...
Tanto "IBOPE" pra acabar em pena?!

Renatinha: Sou sua fã! Texto brilhante!

Beijo

Anônimo disse...

Usando uma gíria da minha época... falou e disse!

Kátia Borges disse...

Pô, Renata, achei esse debate aqui ótimo. A questão, pra mim, é mais de máscara do que de maquiagem. Acho que tem um ponto em que a imagem escapole do domínio da pessoa e vira "coisa pública". Kátia Borges