7 de nov. de 2008

Antevasin


Desde que me reconheço como gente, tenho a sensação de que não há lugar para mim neste mundo. E tal situação sempre me gerou um extremo desconforto. Sim, é verdade: sou absurdamente amada e isso atenua minha sensação de pária. Mas não posso deixar de perceber que nunca me senti exatamente identificada com as pessoas ou coisas que me cercam. Quando eu era criança, detestava tal condição, queria me sentar na mesa dos adultos. Só que lá também não encontrava o que desejava, pois ficava evidente que aquele espaço não me oferecia o que tanto eu buscava. Sempre fui estrangeira na Bahia, ser excêntrico nas festas de família. Extremamente libertária para uns, conservadora ao máximo para outros. E, desde que mudei de cidade, percebo com ainda mais clareza esse olhar do outro. Provoco estranheza por não ser aquilo que todos esperam de mim.

Muito pior do que não ser aquilo que se espera é não encontrar aqueles que espero. Ressalto que adoro a maioria das pessoas que conheço. Meu problema é que não consigo me comunicar, parece que falo outra língua, nunca sou compreendida. E nisso consiste minha grande solidão. A impossibilidade de ser parte de um grupo me impede de dividir com outro tudo aquilo que me é caro.

Gostar de muitas coisas, transitar entre espaços distintos, sem jamais pertencer a nenhum deles é minha marca pessoal. Meses atrás, minha mãe, conhecedora dessa minha insatisfação, me deu de presente um desses bestsellers místicos. Insistiu que eu deixasse de lado meu preconceito e que fizesse a leitura, assegurou que me faria bem. Tinha razão. Num determinado momento do livro, a autora, dona de uma angústia próxima da minha, descobre uma palavra em sânscrito que a define: Antevasin. A partir disso, sente-se parte de algo, inscreve-se na vida, encontra alguma paz.

Antevasin significa aquele que habita a fronteira e que, de onde se encontra, consegue ver vários mundos. Fronteira. Sim, talvez esse seja também o meu lugar.

14 comentários:

Anônimo disse...

"nunca me senti exatamente identificada com as pessoas ou coisas que me cercam" Viver a rotina e não ter coragem para se permitir, a rotina também passa a trágica idéia de segurança, buscar pares requer coragem para sair do casulo, do mundo do Show de Truman

Vivz disse...

Eu te faço companhia, porque a fronteira com certeza é meu lugar também. Beijo.

Marcus Gusmão disse...

Belmonte,
você traduziu um sentimento que também é meu. Quer uma visão pessimista sobre isso? Não tem cura. Quer uma otimista? Não tem cura.

Bernardo Guimarães disse...

prima:
mais um texto que me arrebata, me surpreende, me põe no meu lugar. vou lhe contratar para ficar me explicando aos outros.
seu livro, li de uma sentada. breve escrevo a vc sobre ele.

aeronauta disse...

Renata,
desse mal me queixo ao mundo. E só vejo a cura no paraíso que Borges e nós todos elegemos: uma grande biblioteca. Abraços.

Gabriela. disse...

Sem querer fazer nosografia, mas, já uviu falar no termo outsider?

Estudo psicologia, e lendo seu texto, encaixou-se bem nesse tal perfil.

se tiver saco, pesquisa no google a respeito e me diz o que achou

Muadiê Maria disse...

REnata, o que me mata é a sensação de não ser compreendida.

Lidi disse...

Renata, também me sinto assim. Por isso que gosto tanto do poema "O silêncio" de Mário Quintana. Abraço.

Gerana Damulakis disse...

Sou o inverso de Renata: sinto que faço parte de tantos lugares, entre tantas pessoas com os mais variados interesses, que também são os meus. Porque meu lugar é a vida, e onde ela pulsa, quero ser presença.

aeronauta disse...

Obrigada, Renata, pelas palavras carinhosas, sempre. Gosto muito de você!

Jana Lauxen disse...

Somos todos forasteiros por aqui.
Alguns já sabem.
Outros ainda se iludem acreditando que "fazem parte" de qualquer coisa.

Marginais de nós mesmos.
Todos nós.

Beijoquinhas
:)

Anônimo disse...

Fazer parte da vida não é fazer parte de qualquer coisa. É muita bobagem e perda de tempo se sentir forasteiro. Pura infantilidade. Enquanto estivermos vivos, fazemos parte da vida, obviamente. Queira a filosofada de almanaque ou não.

Anônimo disse...

Então Renata,

Também já me senti muito assim, não foi à tôa que meu pseudonimo é Imcompreendida, mas hoje inexplicavelmente isso passou, assim, se nenhuma explicãção aparente, de uma forma que nem sei explicar, aliás acabei de publicar um texto sobre isso no meu blog...

Um abraço,

Álvaro Andrade disse...

"Gostar de muitas coisas, transitar entre espaços distintos, sem jamais pertencer a nenhum deles é minha marca pessoal."

poderia dizer isso tb. fico sempre intrigado com aquelas pessoas que parecem pertencer tanto a um grupo. eu penso muito sobre isso mas meu lugar, mesmo depois das voltas de meus pensamentos, só acho em mim mesmo.