Aquele era um lugar apertado. Todos os papéis já haviam sido preenchidos. E eu comecei a estudar naquela escola quando já era tarde demais. Hoje, vejo: muito pouco havia sobrado para mim.
Bianca era a melhor aluna da classe, lembro-me perfeitamente que os professores a elogiavam em voz alta durante as aulas. Maria Carolina era a mais bonita de todas e vivia rodeada de outras garotas também muito bonitas. Estar entre elas era o mesmo que se dar bem com os melhores "partidos" daquele tempo. Fernanda tinha quinze anos, mas já dirigia um conversível verde. Era quase um passatempo vê-la chegar ao colégio naquele super carro. Era super inspirador pensar em como era a sua super vida. Cláudia já cantava muito bem e costumava ser sempre o centro das atenções. As "meninas perdidas" tinham todas um comportamento arredio e se reuniam para fumar juntas na hora do intervalo. Os alunos que vinham do interior passavam o recreio no interior: no interior da sala de aula. Naquele colégio, todos sabiam a parte que lhe cabia.
Eu era estudiosa, mas jamais fui a número um. Aos quinze anos, magra e cheia de espinhas, não havia nenhum sinal em mim que indicasse que eu poderia ser aprovada no vestibular das garotas bonitas. Um conversível? Bom, eu tinha. Um rosa, muito lindo que ganhei de Papai Noel: o conversível da Barbie. Querem que eu cante para vocês? Não, já parei, por favor, terminem de ler este meu post. Nunca fui fã de cigarros e sabia a surra que eu iria tomar caso chegasse fedendo a tabaco em casa. Nasci em Salvador e na época pensava que isto significava não ser do interior. Ou seja: será que existia algum lugar para mim?
Sim, naturalmente: o banheiro. O banheiro do colégio. Era neste espaço que eu conseguia ficar só, me esconder do olhar do outro. É óbvio que as pastilhas brancas deixavam o ambiente um pouco inóspito. Mas nada comparado aos meus colegas de classe e suas existências estáticas. Foi no sanitário da minha escola que derramei as lágrimas pelo fim do meu primeiro namoro, foi lá que constatei que as pessoas não são como a gente gostaria... Dentro dele, devo também ter representado diante de mim mesma os papéis que cabiam aos outros. É certo que os espelhos daquele lugar devem ainda guardar a imagem da Renata adolescente. Musa que é musa jamais se esquece, né? Hoje, fiquei com saudade de mim e tive uma idéia: na próxima semana, farei uma visita demorada ao banheiro do colégio que eu estudei. Talvez eu descubra que ele ainda seja o único lugar que me cabe neste mundo.
17 comentários:
Renata,
Eu não pretendia fazer outro texto confessional, como a tal carta da leitora paranóica que escrevi para Adelice, a respeito de um conto de “As camas e os cães”, mas você me atira banheiros de escola e fulana nunca gostou muito deles. Não há como não lembrar de seus próprios banheiros escolares. Serei confessional, ao menos o tanto que posso sem prejudicar o texto e a leitura, assumindo minhas próprias farsas, de pé sobre um palco - com aquelas roupas que não cabem em mim, sobrando na manga direita, faltando em outro canto, aquilo tudo que já conversamos e que sentimos em comum – mas, vamos lá, assumo meus folclores e faço de mim, para mim mesma, um mitozinho vagabundo.
Meus banheiros históricos situam-se mais em minha infância que em qualquer outra época – felizmente, na adolescência, eu já havia aprendido a evitá-los.
Cresci com medo de portas, como a maioria das crianças, por conta de inúmeras vezes ter estado presa, por minutos intermináveis, em banheiros de escola, quando o recreio acabou e todos já voltaram para a sala. Eu me sentava no chão e choramingava as pitangas de quem tem medo de nunca ninguém notar sua falta e, por isso, ficar ali para sempre, sozinha ( “A História sem fim” me causava tanto medo quando o banheiro de “Psicose”).
Numa outra vez, já um pouco maior, acho que na 1ª série, voltei ao banheiro, numa outra escola, tranquei-me e chorei, e já não me importava se conseguiria abrir o trinco ou se ficaria ali para sempre...
Mas, foi mesmo a primeira experiência e suas conseqüências públicas, diante de perversos demoniozinhos de cinco anos, meus colegas de sala, que marcaram a minha relação com os banheiros públicos. Esses lugares tão trágicos e impessoais para onde levamos o que, em nós, não é nada público, nosso corpo. E, se estamos a tomar como nossos, os lugares mais impessoais é que aprendemos a habitar, às vezes confortavelmente, nos lugares inabitáveis, nos incabíveis, como uma família de gigantes introvertidos, solitários e melancólicos numa kitchnet, algo, talvez, só menos desconfortável que cair, num dia bem claro, no meio da rua e ser visto.
beijos
F.
Poxa... boa descrição das pessoas e grupinhos.. é interessante como isso se repete. Eu sou do interior, vim pra cá com 15 anos. Quebrei essa barreira fácil (não foi assim antes), mas também nunca fui muito de nenhum grupo. "Bloco do eu sozinho"... mas sempre me orgulhei por circular bem na maioria deles. Até hoje é assim. Sozinho e com todo mundo.
A gente acaba falando um bocado aqui.. hehe
Obrigado pela visita, Renata.
Bjo.
O hóspede secreto. Eis o banheiro. Aquele abraço. Thiago.
Parece com o colégio em que estudei. Só que eu não tinha o banheiro como refúgio. Apenas a minha própria cama, um travesseiro e uma colcha velha, de onde não saí por um tempo.
Me sinto tão em casa, qdo vc escreve sobre isso.
Essa história me lembrou uma amiga que ficou trancada no banheiro de um restaurante famoso. O namorado ficou esperando na mesa. A gerente, do outro lado, com um "faz tudo" que tentava sem sucesso abrir a porta. Foi quando ela olhou bem a fechadura e achou que poderia simplesmente desmontar tudo. Bastava ter uma chave de fenda. Pediu ao rapaz que lhe passasse a ferramenta por baixo da porta e resolveu o problema, retirando os parafusos um a um. Quando voltou à mesa, o namorado, distraído, sequer havia notado a sua demora. Terminou o namoro e, a partir daí, percebeu que conseguiria desmontar qualquer coisa.
Sou adepto do choro no banheiro e choro no travesseiro de madrugada, confesso.
Mas gosto mto de ir pro mar, olhar o horizonte e achar meu lugar no mundo.
Bjus Renata! Eba mais um blog preu ler! Linkei vc!
Não faça isso Renata. Li em algum lugar que a gente jamais deve voltar ao lugar onde foi feliz - e eu acrescento infeliz.
Fiz isso e me arrependi. A escola não era a mesma, o pátio não era o mesmo e, pior, as pessoas não eram as mesmas. Fique com a sua memória, onde tudo e todos continuam como eram.
Gostei de ler, Renata. Já tinha te visto, numa notícia do jornal A Tarde, há mais ou menos um ano - ganhou algum concurso, se não me falha a memória... Enfim, te encontrei aqui... Gostei do que vi. Verei outras vezes. Beijos.
www.galdea.blogspot.com
www.raiai.blogspot.com
Adoro aparecer aqui e constatar que seus textos são também um dos poucos lugares que me cabem nesse mundo.
Viva os deslocados
Um bjo renatita
Esse texto será um grande capítulo de um livro de memórias. Maravilhoso.
bah guria.. ando tri sem vontade de nada nos últimos dias.. mas não deixei de ler teu blog.. só esqueço de comentar mesmo..
beijooooo
Pensei que fosse ficção. Já estava entrando na história. Bem, a vida, esta a que chamamos de "real", suponho seja um sonho de alguém, pois não acho resposta que a explique. Então, ficção. Que boa e dura ficção! A imagem que você fez do banheiro é paradoxal (nunca tinha pensando nisso), pois o entre quatro paredes do banheiro, espaço reduzido que deveria prender e esmagar o ser, transforma-se em local para desaguar. Talvez o fato de sabermos que existe uma porta não nos mate. E é muito bom abri-la e respirar um novo ar. De certa forma isto nos renova, purifica. Acho que você deve voltar lá, sim. Ficamos no aguardo do "A Musa do Banheiro, o retorno". Grande abraço.
Flamarion
Renata, escola não é um lugar fácil de se viver.
Ameeeeeei!!!!!! Nossa... Diretamente do túnel do tempo!!!! Que saudade!!! Que tempo bomm!!!!
Que boas recordações!!!! Parece que foi ontem, né???? E as caronas??? Eu ia com vc e vc voltava comigo!!! hahaha!!! E a gente sempre atrasada!!!! rsrs!!!!
Quero q vc me insira em um grupo!!! Qual era a minha tribo???? Bjo naty!!!!
muito bom esse texto
me identifiquei em algumas partes.... diz muitas coisas....
abraços
Obrigada pelos comentários, leitores queridos!
Bjs,
Renata
Renata, adorei este texto. Eu me identifico muito com o que você escreve. E faço coro com a Fernanda: Viva os deslocados!
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