12 de set. de 2007

Em veludo azul




Quando eu tinha nove anos, ganhei o papel principal da peça de teatro da escola. Lembro-me com perfeição da alegria que senti, desde aquela época já sabia que queria ser artista. Cheguei em casa pulando, contando entre sorrisos a boa notícia para meus pais. Mas a reação deles foi completamente diferente da que eu esperava: Não, isso não é coisa para você. Você tem é que estudar para ser alguém na vida. Não, sinto muito, você não vai participar.
Faz menos de uma semana que voltei da viagem. Durante todos os dias que estive fora, tentei fazer apenas coisas prazerosas. Visitei museus, fui ao cinema, comprei algumas coisas bonitas. Mas algo faltava dentro de mim, algo que eu não sabia exatamente como verbalizar. Seus sonhos são impossíveis, me dizia uma voz bastante conhecida. Contente-se com o que você tem, sinta-se culpada por desejar mais.
Sempre que estou sozinha, interpreto personagens dos meus filmes favoritos. Normalmente fantasio que trabalho com o David Lynch. Sonho, um dia, encontrá-lo para poder lhe contar essa história. Escuto as trilhas do Angelo Badalementi, crio falas conturbadas. Desde a infância não piso num palco, portanto é no meu quarto que guardo este segredo, que faço todo o meu teatro.
O sol brilhava. Era o meu último dia naquele lugar. Eu me despedia feliz daquelas pessoas que mal conheci, contemplava com carinho os detalhes das ruas e de suas casas. Na porta da livraria, percebo uma mesa cheia de livros, todos em promoção. Não, nada me interessa. Dou as costas e sigo em frente. Eis que se apresenta uma outra mesa com um único livro exposto. Não, não devo gostar. Mas não custa olhar. Por um minuto, chego a duvidar do que está escrito: David Lynch, Catching the big fish. Sim, eu acabava de pegar o grande peixe.
Se Deus ainda existe, não sei. Mas tenho certeza de que, naquele momento, ele estava comigo. Pois ouvi ele dizer, bem baixinho: aproveite o seu encontro com o Sr. Lynch.
Repito: era o meu último dia naquele lugar. Saí pulando da livraria, alisando a capa do meu livro. Ela é bem lisa, gostosa de tocar. Como um veludo. Um veludo azul. Que foi me dado de presente por Deus na cidade dos sonhos.


9 comentários:

Vivz disse...

O melhor dos filmes dele, para mim, sempre foram os holofotes que ele deu às músicas de Roy. Olha isso:

http://www.youtube.com/watch?v=clZNwja8M3A

Beijos.

katherine funke disse...

sincronia, o nome disso.

O Sibarita disse...

Ai Deus do céu! kkk E você já assistiu esse curtas dele? Six Men Getting Sick (1966), The Alphabet (1968), The Grandmother (1970) e The Amputee (1974). Se não, precisa viu fia? kkkk

Realmente o Lynch é demais! Ah O Homem Elefante e ai? E Duna? (Ficção científica) E Coração Selvagem? E Estrada Perdida? E Twin Peaks? kkk Paro por aqui também sou fã né? kkk

Tá me perguntando por Veludo Azul é minha santa? kkkk

E Encaixotando Helena da filha dele(Jennifer Chambers Lynch) já assistiu? É um clássico viu dona moça?

Oi você como toda baiana e segundo Gil "Toda baiana tem um Santo que Deus dá", então, seu santo é forte, só pode ser! kkk Na saída encontrar o livro de bobeira... Valha-me Deus Nosso Senhor! kkkk

bjs
O Sibarita

Anônimo disse...

Lindo filme, lindo texto.
Essa "sincronia",ou esse momento de crédito na existência do divino, ou mais ainda, essa sensação de que, por um momento existe, de fato, uma lógica organizacional "nisso" tudo, é algo que sempre nos pega de surpresa.
Talvez seja pelo fato de que, a evolução do nosso pensamento cartesiano-ocidental nos tenha feito desvalorizar aquilo que não é explicado pela nossa razão.
Por isso o "vá estudar - atividade racional - pra ser alguém na vida."
Afinal, sentir, e "ser artista" não dão camisa a ninguém.
O fim do texto pra mim foi o mais bonito...
Não só pela analogia da textura da capa do livro com o título do filme, mas porque minhas heroínas (a autora - a artista do quarto, a menina de 9 anos - o desejo de ser artista e a turista passeando pela livraria -a artista contida ) sobem no palco da vida, e se encontram, todas elas, numa apoteótica oportunidade que dão pra si mesmas: as três compram o livro. São as três que alisam sua capa lisa no final.
Me encontrei, pra variar, de novo, nos seus textos, Renata.
E olhe que de piscadelas com advertências divinas eu entendo! hehe.
Um dia te conto da vez que gritaram no meu ouvido "Corra!" numa praia, num também último dia, num último momento e que culminou, no final das contas, com o nosso encontro ;)
Quando eu comprei meu livro de veludo azul seu irmão estava junto. Mas é o que me antecede alisar essa capa que daria uma ótima história.
Assim como a sua.

Beijos!
(Recebi seus livros hoje!Já to lendo...adorei as dedicatórias)

Kátia Borges disse...

"Cidade dos Sonhos" é o meu filme predileto de Lynch. Mas rodei a cidade inteira e nada de achar o DVD. Já estava na hora de sair uma caixa só com os filmes dele, concorda?

Luiza disse...

oh Renata, como ja te disse, adorei teu email..
e nossa, acho que sou a unica aqui que nunca assistiu aos filmes dele.. vou procura-los.
Bju grande querida.
(me desculpe os erros, mas meu teclado esta desconfigurado..)

Senhorita B. disse...

Obrigada, meus leitores! Os comentários de vocês trazem pequenas alegrias para mim!
Beijos,
Renata

aeronauta disse...

Lindo esse texto...

Lidi disse...

Assim como Luíza, nunca assisti aos filmes dele. Mas já entrou pra minha lista. (rs)