29 de jul. de 2007

Capítulo dois: A vida secreta da Senhorita B.



Não, não podemos culpar os pais da Senhorita B. pelo seu sumiço. Eles não tinham como saber. Ela sempre conseguiu guardar segredos com perfeição. Durante toda a infância, teve um cachorro de estimação que jamais foi descoberto. Escondia-o debaixo da cama e o alimentava com histórias de fadas. Obviamente, seus pais nunca conseguiram perceber. Eles são desses que apenas acreditam nas notícias que assistem na televisão. Talvez seja até justo afirmar que são pessoas desatentas, pois até hoje não deram por sua falta. Mas culpados, não, isso eles não são. Porque jamais souberam da existência da Senhorita B. Ela nasceu de um livro usado, largado numa das estantes de sua casa. E a sua própria vida era o maior segredo que carregava.
Sim. Se alguém tiver que ser indiciado, que seja eu. Porque fui a última pessoa a encontrá-la e nessa história não existem mordomos ou coisa do tipo. Estávamos juntas numa festa. Ela sorria e contava casos engraçados para os outros convidados. Eu sempre admirei a sua forma de se comportar e permaneci em silêncio,
observando cada gesto seu, a delicadeza dos seus traços, o jeito amável com que se dirigia aos que trabalhavam no local. Eu nunca gostei de coisas com muita gente, costumo temer excessos de intimidade e outros males do nosso tempo. No entanto, vendo-a tão contente, resolvi me dar uma chance e passei a conversar com uma moça que estava sentada ao meu lado. Minutos depois, entre goles de vinho, percebi que tinha perdido de vista a Senhorita B. Saí a sua procura e, logo depois, acabei encontrando-a escondida no banheiro com os olhos borrados, cheios de lágrimas negras. Não me contive:
- O que aconteceu? Há pouco você parecia estar tão feliz!
Observando a minha total incapacidade de compreensão, revelou:
- Alegria não é o mesmo que felicidade. Qualquer um pode ser alegre o tempo todo. Mas feliz? Bom, isso apenas descobrimos quando estamos completamente sós.

8 comentários:

Manuela Magalhaes disse...

ESPETACULAR...ISSO RESUME A SUA INTELIGÊNCIA, SENSIBILIDADE E PAIXÃO PELO QUE FAZ!
BJAO

OBS: JÁ ESTOU TOMANDO CONTA DO LUGAR...RS. MANDANDO VÁRIOS COMENTÁRIOS...RS.

aeronauta disse...

Bonito capítulo. Lembrei-me do que você escreveu lá no "Aeronauta", e que gostei muito: "Até quando viverei com livros escondidos na bolsa?"... E pensar que a Senhorita B. "nasceu de um livro usado"... Muito sugestivo. Abraços.

Luiza disse...

Lindo capítulo.
Sempre entro aqui esperando ler o melhor, e saio satisfeita!

beijinn

Vivz disse...

"Adorei o texto". hehehe.

sandro so disse...

Bonito capítulo, Renata. As vidas secretas são sempre mais intensas e bonitas. Diga à Senhorita B. que continue cheia de segredos.
Abraço
Sandro

Anônimo disse...

Dentre todos os seus contos que li, achei esse o melhor.
É impressionante o quanto vc consegue nos envolver através das palavras! Encantador.

Enfim, vi você no programa Leituras e dps de alguns dias tava lá você no Sem Censura. ;)
Gostei muito de ti e dos teus escritos. Pena que ainda não consegui comprar um livro seu. Por enquanto, não o achei aqui em Cuiabá.

Parabéns e muito sucesso !!
Beijão.

katherine funke disse...

essa senhorita b. tem jeito de filósofa!

Lidi disse...

Este post me fez lembrar um poema de minha autoria:

MÁSCARAS

Um sorriso disfarça a dor
e esconde segredos:
solidão, desespero, medo.

Uma palavra dissimula
e guarda no peito
uma alma que sonha:
lágrimas poucas, exaustas, anônimas.

É, de vez em quando, rabisco uns versos. Beijos.