29 de jun. de 2009

Neverland


Certa vez, perguntaram para o já adulto Michael:

- Por que você faz tantas plásticas?

No ato, ele respondeu:

-Sempre tive pavor de parecer com meu pai.


Às vezes, um monstro é apenas uma criança ferida.

Às vezes.

22 de jun. de 2009

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Recentemente, acabei constatando que ter um blog é quase como ser um personagem de Lost. É ótimo viver nesta maravilhosa(e surpreendente!) ilha que é a blogosfera, mas me sinto obrigada a atualizar o Vestígios com quase a mesma frequência que Jack/Locke/Desmond tem que digitar a série de números acima, no computador da Escotilha.
O que irá acontecer comigo se eu demorar de apertar o botão "Nova Postagem" do Painel? Que angústia é essa que toma conta de mim quando o blog fica parado? Por que não suporto ver meus posts se tornarem passado?
Desta vez, vou tentar cumprir a promessa de ficar um tempo sem postar aqui. Preciso dar uma volta mais demorada pelo mundo real. E, desde já, aviso: se eu voltar em menos de uma semana, por favor, numa "rehab de blogs", vocês têm que me internar.

19 de jun. de 2009

Para os meus amigos perdidos

No prédio onde cresci, não existiam crianças. Portanto, fui acostumada a pular elástico sozinha, utilizava as cadeiras como apoios e fantasiava amigos impossíveis. Sempre mendigando o olhar do outro, puxava assunto com os adultos e era querida pela maioria deles. Alguns me presenteavam com gibis e chocolates. Nos feriados, me telefonavam para que eu fosse brincar com seus netos. Menina alegre e bem criada, ninguém temia que eu fosse uma má companhia. Aquele era um prédio de velhos. Talvez isso explique o enorme afeto que sinto por pessoas de idade avançada.
Meu apartamento era enorme e eu morria de medo de um anjo que vivia na parede. Julgador de todos os meus atos, ele possuía enormes olhos verdes e era mau. Nas madrugadas, eu tinha certeza de que ele fugia do quadro e caminhava pela sala. Muitas foram as noites em que fui dormir com sede, jamais tive coragem de pegar, na cozinha, um copo de água.
Sendo aquele prédio um lugar de idosos, fui acostumada, desde cedo, com a perda dos meus amigos. Um deles subiu no elevador comigo e, minutos depois, faleceu por causa de um infarto. Lembro do meu pensamento, quando recebi a notícia: o certo é infarte ou infarto? As pessoas me perguntavam: ele parecia pálido, cansado? Eu nada respondia, abalada com a descoberta de que a morte não nos deixa antes um recado.
Um dos meus preferidos, Sr. José Augusto, apareceu carequinha de uma hora para outra. Era um homem amável, sempre conversava comigo. Meses depois, faleceu. Eu devia ter uns nove anos e pedi para ir no seu enterro. Afinal, ele era um dos vizinhos mais queridos.
Do Seu Roberto, do quinto andar, eu não gostava muito não. Cheirava mal, fazia brincadeiras sem sentido. No dia em que morreu, alguém comentou que sua sobrinha tocou piano a noite toda como se nada tivesse acontecido.
Muito tempo se passou. Meus pais compraram um outro apartamento e tive que trocar de endereço. Na véspera da mudança, eu estava arrasada. Chorava de maneira inconsolável. Como poderia abandonar o cenário da maioria das minhas lembranças? Quem seria amedrontado pelo anjo da parede? Meses depois, já na casa nova, acordei aliviada e percebi que o tempo se encarregou de trazer para minha vida novos atores, não mais me incomodava com nada disso. Naquele prédio, ficou para sempre enterrada a menina que fui. Bem como os seus primeiros amigos.

Texto em memória de Seu José Augusto, meu vizinho jamais esquecido.

18 de jun. de 2009

Pequeno aviso

Dizem que o tempo ameniza.
Isto é faltar com a verdade.
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade.

É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria.
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria

Emily Dickinson

Pintura de Degas



16 de jun. de 2009

Duas jóias num mesmo dia




Elas caminham de maneira serena, posso prever esboços de tímidos sorrisos. Ambas estão vestidas de forma impecável, são naturalmente chiques. As duas têm cabelos brancos muito bem tratados e possuem um tipo de elegância delicada, dessas que não incomodam ninguém. Sei que foram bem educadas e que são mulheres cultas. Fosse possível, eu teria me aproximado para ouvir suas conversas, acredito que elas possuem vozes suaves. Uma delas carrega pérolas verdadeiras no pescoço, suponho que seja jóia de família. Não consegui me encontrar com seus olhos, não li o livro definitivo de suas almas, pouco posso contar de suas vidas. Mesmo assim, aposto que estão próximas dos setenta anos e que não mais temem o medo da morte. Suas roupas escuras contrastam com o colorido da rua, mas isso não faz com que se destaquem, sejam percebidas. Creio que somente eu as notei. Poesia cotidiana, surpresa que me trouxe alegria. Duas mulheres idosas e elegantes. No último domingo, de mãos dadas em plena Parada Gay na Avenida Paulista.

14 de jun. de 2009

Dos pequenos vícios




Seu nome já dizia tudo: Madalena. Tinha cabelos ressecados e negros, batom vermelho borrado, algum dente sempre manchado. Havia algo de muito bonito nela, era dona de uma tristeza encantadora, dessas que poucos conseguem perceber. Talvez aquela menina fosse a única da sua classe que notava isso. Muitos anos depois, compreenderia: se sentia muito próxima daquela mulher. De alguma forma, acreditava que ela tinha descoberto seu maior segredo, mas o havia guardado por uma questão de princípios. Sim, Madalena sabia, só que fingia ignorar: a menina comungava do seu amor pelos livros.


- Alguém sabe dizer o motivo da perplexidade de Ana ao se deparar com um cego mascando chiclete?


(Silêncio)


- Alguém pode me dizer qual personagem de Capitães de Areia virou uma estrela no céu?


(Silêncio)


- Alguém se arrisca em dar um palpite sobre a veracidade da afirmação de que Bentinho foi traído por Capitu?


(Silêncio)


Foram meses de um monólogo melancólico, conformado por não ser diálogo. E Madalena era de uma bondade dolorosa, não alterava seu tom de voz, permanecia esperançosa, esperava a mudança de comportamento dos alunos. Como Ana, não se permitia maiores liberdades, por isso a cena do cego mascando chiclete também lhe causava tanta estranheza. Como Dora, se contentava em contar histórias para aqueles meninos perdidos, tão ignorantes de sua própria condição. Jamais agiu de maneira autoritária, nunca julgou Capitu, sustentava um feminismo suave, seu batom testemunhava isso. Talvez Bentinho estivesse mesmo movido por um desses ciúmes doentios.
A menina sabia quase todas as respostas, mas nunca se manifestou. Preferia contemplar Madalena, analisar suas reações. Tinha medo que seus colegas achassem que ela era uma dessas "sabe-tudo" e que ficassem incomodados. Tinha medo de não ser considerada "um deles" e de não conseguir aceitação. Naquele tempo, ela até errava algumas coisas de propósito para poder pertencer, para não se destacar. Ela não sabe o porquê, mas ainda hoje, de vez em quando, age assim.

11 de jun. de 2009

O tempo das coisas


Quando pequena, ele a colocava no carro e faziam longos passeios juntos. No caminho, ele dizia que tinha o sonho de ter uma filha advogada, mas sempre lhe ensinava noções de construção civil. Até hoje, ela sabe qual é a diferença existente entre uma viga e um pilar. Ela permanecia em silêncio, gostava de escutar aquele homem falar sobre o mundo, sentia menos medo de sua condição humana, ele a protegeria de qualquer situação. Quase sempre, o destino final era o mesmo: uma praça cheia de pombos. Foi assim, durante muitos anos.

Certo dia, pouco antes de sua mudança, ela pegou uma carona com ele. Nos primeiros minutos, nada disseram. Passado o incômodo inicial, ele comentou que ela deveria pensar sobre suas escolhas, ressaltou que ela tinha que passar na seleção do Mestrado, isto era fundamental para a sua carreira jurídica. Durante todo o tempo, ela ficou em silêncio. Não queria demonstrar seu enorme medo das coisas deste mundo, tinha receio que ele percebesse que ela ainda precisava de sua proteção. Diante da evidente impossibilidade de um diálogo, ele se calou. E passou a dirigir com mais atenção.

Sim, houve um momento em que os dois foram obrigados a pensar sobre a passagem do tempo. No meio do trajeto, estava aquela praça tão conhecida. Nada foi comentado, só que ambos notaram: não havia mais pombos lá.

10 de jun. de 2009

Sobre uma loira forte


Ela tinha dezoito anos, cabelos curtos e escuros, pesava apenas quarenta e cinco quilos. Ele era bastante feminino, negro, magro, tatuagem indecifrável no pulso. Não tinha educação formal, mas foi ele quem ensinou a menina a gostar de Marguerite Duras, Clarice Lispector, Kafka, Agatha Christie, dentre outros. Certo dia, ele insistiu que a menina comprasse um livro chamado Os irmãos Karamázov, disse que ela precisava conhecer os autores russos. Ela comprou, mas jamais terminou a leitura, o livro ficou esquecido na estante, ela se justificava dizendo que precisava ler os indicados para o vestibular. Era um tempo difícil e a menina se escondia em banheiros, tinha sofrido sua primeira decepção amorosa e, no meio de tudo isso, descobriu aquele pequeno sebo, seu novo esconderijo. No entanto, pouco tempo depois, mais uma tristeza: a loja foi fechada e ele já não estava lá.
Muitos anos se passaram. Ela tinha vinte e sete de idade, cabelos loiros e longos, pesava cinquenta e três quilos. Caminhava sozinha por um shopping, não morava mais na sua cidade, sentia uma melancolia difícil de explicar. De repente, uma surpresa: ele ainda magro, negro e feminino, apareceu na sua frente e, depois de um sorriso, começaram a conversar. Ele lhe contou sobre o novo serviço e revelou que recortava e guardava, numa pasta, todas as fotografias dela que apareciam no jornal. Ela agradeceu e se despediu emocionada. Quando chegou em casa, teve que arrumar as malas e chorou, chorou muito sem saber o porquê.
Entre roupas, dores, fotografias e decepções sem motivos precisos, podia ser percebido um livro. Sim, estava na hora de Os irmãos Karamázov conhecer.

8 de jun. de 2009

Singing in the rain



Recentemente, eu estava na inauguração do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas e escutei algo que chamou minha atenção. Num dos discursos de abertura, uma das maiores autoridades de Direito Tributário do país disse que, caso fosse possível, apenas colocaria, no seu Currículo Lattes, o nome de alguns dos seus alunos, pois nada o orgulhava mais do que saber que muitos deles são os que constroem a melhor doutrina jurídica brasileira hodierna. Nesta ocasião, me fiz as seguintes perguntas: quem eu colocaria como motivo de orgulho no meu Currículo Lattes? Que característica minha me faz sentir orgulho de ser quem sou ?


Não precisei de dois segundos para responder tais questões. A primeira resposta é bastante simples: sinto-me extremamente honrada por ter os amigos que tenho. Diante das coisas que escuto de vários conhecidos, devo mesmo me considerar alguém de extrema sorte, pois conheço pessoas da melhor qualidade e ostento a condição de amiga de boa parte delas. Ser aceita e amada por gente que admiro é algo que me permite uma grande felicidade e me livra de um terrível pessimismo que costuma rondar aqueles que são mais sensíveis. Sim, é claro que tive decepções, mas nenhuma foi capaz de diminuir o brilho das coisas boas que recebi destas pessoas tão queridas. Neste momento, alguns de vocês podem me perguntar: e os defeitos obscuros dos seus amigos? Você não tem medo deles? Como você lida com isso? Tal resposta é a mesma para o segundo questionamento do primeiro parágrafo: tenho a enorme virtude de gostar de muitas coisas sem pretender que estas sejam perfeitas, sei apreciar diferentes belezas.


Na minha lista de amigos para o currículo lattes, Jorge Santiago é um dos primeiros. E, há pouco tempo, num almoço, nós constatamos que não há nada melhor do que gostar de muitas coisas. Quando fui morar em São Paulo, alguns me diziam: como você terá coragem de viver numa cidade sem sol, numa cidade tão horrorosa? Eu apenas respondia: acho São Paulo linda. Gosto de observar a arquitetura dos prédios, adoro perceber a singularidade de cada pessoa que caminha pela Avenida Paulista. É óbvio que não tem o visual de Salvador, mas isso não transforma São Paulo numa cidade menos interessante.


O fato de eu gostar de várias coisas me permite a grande possibilidade de ficar feliz sem depender de ninguém. Não deposito no outro a obrigação de me entreter. Sempre quando vejo uma fotografia bonita-um prédio bem construído-um quadro bacana-um filme interessante ou leio um texto bem escrito, sou tomada por um prazer único, ímpar. Me orgulho muito do fato de apreciar muitas coisas e ter essas diversas possibilidades de encantamento. Me orgulho muito de gostar deste blog e dos e-amigos que aqui conheci. Mas sou apenas uma e estou precisando de um tempo para viver novas coisas. Aprender a desenhar pessoas e vestidos, ver a exposição do Vic Muniz, ler os livros dos meus amigos, aprender mais sobre o Espiritismo e assistir todos os filmes do Bergman são as minhas prioridades deste período de férias. Já estou cantando e dançando por causa destes dias chuvosos de junho. Devo voltar no próximo mês. Isto se a saudade desta casa e de vocês não apertar.

5 de jun. de 2009

Dúvida existencial desta madrugada:



Será mesmo que os indianos da vida real ficam dançando assim pela casa?

2 de jun. de 2009

Meu sorriso nervoso, constrangido


Quando eu era criança, chamava nuvem de luvem. E tinha um problema grave com a idéia de hierarquia, colocava-me no lugar das chamadas "pessoas invisíveis" e sofria, sofria muito. Sempre que ocorre um acidente aéreo, eu sou obrigada a reavaliar uma das premissas básicas daquela que sou: minha fé em Deus. Alguns de vocês, podem me interrogar: que Deus é esse que aniquila famílias e impede a concretização de tantos sonhos? Diante da resposta impossível, apenas ofereço um sorriso nervoso, constrangido. Não, não sou Jó. E sofro, sofro muito ao ver, na televisão, o desespero dos parentes das vítimas. Portanto, resta-me apenas a necessidade de alguns dias de silêncio. E, sim, este post que escrevo de luto. É duro, mas devemos admitir: nem mesmo a literatura é capaz de nos salvar das dores terríveis deste mundo.