Era com as mãos pequenas e o coração menor ainda, que eu rezava: por favor, Deus, no futuro, me ajude a me tornar uma artista de verdade. Sim, essa foi a minha infância: uma longa espera pelo dia em que tudo iria mudar. Não, não foi fácil ter tomado consciência da minha vocação tão cedo, nasci numa família de pessoas normais, com desejos cotidianos e metas no lugar de sonhos. Como explicar o mágico que existia dentro de mim? Como não me incomodar com adjetivos como lunática, excêntrica e amalucada? Como encontrar a liberdade extrema? Como cumprir aquilo que penso ser meu destino diante de tantos obstáculos? Como ganhar dinheiro fazendo uma coisa bacana, gratificante? Como escrever um novo livro se mal tenho tempo para existir? Num mundo onde escrever é considerado "profissão de vagabundo", o que resta para pessoas como eu?
Recordo-me bem: foi num livro de literatura que me senti um ser humano pela primeira vez. Antes as coisas ao meu redor pareciam desconexas, sem sentido. Isto porque, eu ainda não havia nascido: só se é gente diante dos seus semelhantes e foi naquelas páginas que encontrei meu reflexo. Foram nas linhas de Femininamente e O que não pode ser que respirei o melhor dos ares, tive o mais perfeito dos encontros. E é por isso que, hoje, volto ao Vestígios, e, com os dedos entrelaçados, mais uma vez, peço: por favor, Deus, ilumine também estes que estão aqui comigo. Porque imagino que vocês sintam angústia semelhante. Porque sei que a condição de artista não permite indagações do tipo ser ou não ser, ela não se escolhe, apenas é. E é justamente por esse motivo que não devemos carregar o peso do mundo nas costas.