Nos últimos tempos, venho me sentindo levemente entorpecida, com a sensação de que tudo que vivo é sonho, um destes sonhos que não fazem sentido, mas que aceitamos durante o sono como algo bastante lógico e coerente. Talvez eu esteja assistindo filmes demais, essa é a primeira das hipóteses.
É certo que tudo tem seu fim e a noite de hoje não foi diferente. Neste último lançamento do Outras moradas, tirei fotos sorrindo, encontrei pessoas amigas, conheci pessoalmente outras pessoas amigas, me tornei amiga de pessoas que apenas conhecia. Tudo ao som de jazz, que preferi inventar ser bossa-nova: assim pude acreditar que a sensação vagamente familiar que me tomava nada mais era do que a identificação do momento com os eventos que acontecem nas novelas de Manoel Carlos. Talvez eu esteja assistindo novelas demais, eu sei. Essa também é uma das minhas hipóteses.
Que vivemos eternamente de fantasias, sempre tive certeza e jamais neguei as minhas. Mas eis que conto a cena mais surreal deste meu último sonho: onze escritores sentados ao mesmo tempo numa pizzaria. Duas mesas, papo agradável, clima descontraído. Eu, no meio deles, eu, que sempre evito conviver com grupos por medo de abusos coletivos de compreensão. É madrugada, sim, sei. Mas estou acordada e o que narro não surgiu durante o sono. É a minha realidade, esta que vem me causando muito mais estranheza do que os filmes do David Lynch.
As pessoas que foram ao lançamento do Outras moradas não desconfiam que eu morro de medo de autografar os meus livros. Sempre acho que escreverei alguma coisa errada, que direi algo tolo, sem sentido. As pessoas que foram ao lançamento do Outras moradas nem desconfiam que temo não corresponder o tamanho de sua consideração. Sou bastante esquecida e sofro muito quando sou desatenciosa com aqueles que são bons comigo. As pessoas que foram ao lançamento do Outras moradas e me viriam com aquele vestido dourado, desconhecem a angústia que sinto durante as minhas festas: tento sempre prolongar os momentos que vivo, não gosto de aceitar o fim das coisas.
Algumas pessoas que conheço e dizem que gostam muito de mim não tem comigo a menor consideração. Outras, que mal convivo, nutrem por mim afeição. Meu irmão, outra dia, brigou comigo e disse: pobre de você que vive de migalhas de felicidade. É, talvez ele tenha razão. Porque permaneço aqui, nesta noite, com fome. Mas sempre embriagada de vida.